George Cristian Vilela Pereira
Uma estreia reveladora de uma compositora que daria passos valiosamente além. Mesmo com isso, as ideias implícitas aqui são tão pioneiras que me parece que a Vanguarda Paulista bebeu mais diretamente desta fonte aqui do que o Tropicalismo. Recomendabilíssimo!
Favorite track: Sofia Suicidou-se.
A Música do Século XX de Jocy é das pérolas mais fascinantes e intrigantes da história de nossa cultura popular, e não exagero ao dizer isso.
A compositora e multi-artista Jocy de Oliveira ao longo de sua vida construiu um grande e admirável legado no contexto da música erudita com reconhecimento nacional e internacional.
Mas além do fato dela ser uma artista séria da música erudita de vanguarda, embora menos divulgado, sua natureza é inquieta, criativa e questionadora desde a infância.
No período da plena efervescência da Bossa Nova, aos 22 anos, a compositora cria uma série de canções já contestando os ideais poéticos do estilo que, por um lado era inovador na linguagem musical, mas por outro hedonista e desconectado com o momento político e social do Brasil e do Mundo.
A preocupação com os rumos do ser humano no planeta sempre foi e continua presente na obra de Jocy, e certamente o papel da mulher na nossa sociedade estruturalmente patriarcal é de seus temas mais caros.
Só isso já faria esse disco ser memorável, mas nele existe um fator a mais que o torna fascinante: sua intenção de chocar a audiência!
Quem, nessa época, pensaria em ouvir uma variante erudita da bossa nova tratando de temas como suicídio, assalto, assassinato, solidão, perda total de bens em incêndios e morte?
A bossa se tornou a moda daquele momento entre a juventude privilegiada brasileira, especialmente aquela que tinha o mar, o sol, a beleza como seu cenário.
Então, no mesmo ano em que João Gilberto lança o grande marco “Chega de Saudade” (Odeon - 1959) propondo uma divisão rítmica sincopada na harmonia do samba/jazz, com um estilo vocal novo, suave e aveludado, vem essa garota charmosa, inquieta, questionadora! Dona de um talento criativo e um domínio harmônico sofisticado que envolve os rumos da música do século XX.
Jocy não traz nesse disco apenas a ideia de que a música vai além da canção e da busca pela beleza, ela vem dizer que música também serve para dar um soco no peito do ouvinte.
A Música do Século XX de Jocy é o primeiro Punk com sotaque brasileiro da história.
Nele existe o grito, a revolta, a contestação desenhada para ser chocante em suas dissonâncias e polirritmias, e não apenas nas letras e temas abordados.
Simultaneamente Jocy demonstrava o domínio da bossa e da canção, o que faz o disco ser multifacetado. Como num filme, uma peça de teatro ou uma ópera.
Ali já era a Jocy de Oliveira completa como a conhecemos hoje.
A compositora não tinha intenção de estrelar como a cantora do álbum, mas, quem ali do lado dela teria a atitude certa e a capacidade correta da leitura das partituras?
Uma obra sem precedentes é sempre mais difícil de realizar. Não haviam exemplos até então de cantoras e instrumentistas populares com desenvoltura para entender aquela escrita. Segundo ela, o disco é só uma pincelada do que ela tinha imaginado em termos de complexidade.
No período da gravação, Jocy era uma jovem senhora casada. Durante o dia tinha todos os seus afazeres domésticos normais para sua época. O período que ela podia se dedicar ao álbum era sempre a noite e os horários normalmente se estendiam. Exímia intérprete de obras complexas no piano, ainda não tinha tido oportunidade de se desenvolver apropriadamente como regente e isso fazia com que o processo de gravação estivesse durando mais do que o planejado.
Cansado de não ter sua mulher a noite naqueles dias, seu marido vai até o estúdio para ver o que estava acontecendo. Ele era ninguém mais nem menos que o grande Maestro Eleazar de Carvalho. Diante do caos da gravação ele organizou tudo e assumiu a regência, o que finalmente permitiu que aquela obra inovadora viesse a existir em disco. Um bom momento que exemplifica isso é a faixa “Incêndio”, onde nota-se um papel de destaque na flauta cujo o intérprete foi Altamiro Carrilho, grande músico expoente brasileiro. Lamentavelmente ele é o único nome que se tem lembrança do grupo de músicos arregimentados para este trabalho.
Outro grande momento seu no disco é na faixa “Frida”, onde a flauta em contraponto faz um desenho envolvendo a melodia principal como os tentáculos de um polvo. Em especial, essa música me emociona muito, mesmo depois da milésima audição.
Numa audição superficial e desatenta apenas observa-se uma canção melancólica com a divisão do samba. Mas a crueza das palavras do ponto de vista da mulher triste e insatisfeita com seu destino, numa situação em que ela mesma não consegue mudar é algo tão antipoético e lamentavelmente verdadeiro. Antipoético em forma de poesia, anti música em forma de música.
Caro ouvinte, bem-vindo ao exuberante e complexo universo dessa importante compositora brasileira, que criou essa obra registrada em disco em 1958/59, mas para ser ouvida, entendida e admirada nos tempos atuais.
Paulo Beto
Esse lançamento é uma parceria Discos Nada e Litoral Records.
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